As fragilidades institucionais apontadas destacam a
relação entre Receita e PF, a qual, segundo o TCU, se dá sem protocolos claros
BRASÍLIA, DF
(FOLHAPRESS) – Uma auditoria conduzida pela unidade do TCU (Tribunal de Contas
da União) especializada em defesa nacional e segurança pública concluiu que
alguns dos principais portos brasileiros possuem fragilidades que comprometem o
enfrentamento do crime organizado no tráfico de cocaína.
A Folha teve acesso ao
relatório preliminar desta auditoria, que expõe um descompasso entre a
sofisticação dos criminosos e a insuficiência do aparato estatal. Enquanto os
traficantes operam com técnicas logísticas avançadas, com uso de drones e até
de semissubmersíveis, o Estado ainda encara regras e portarias de atuação
desconectadas, além de tecnologia limitada e falta de integração de órgãos como
Receita Federal do Brasil (RFB) e Polícia Federal (PF).
A Folha fez
reiterados pedidos de posicionamento sobre o tema à PF e à RFB, que são
mencionadas no relatório. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Os ministérios da Justiça e o de Portos e Aeroportos também não se manifestaram.
A auditoria
operacional, que teve início em 14 de abril e deve ser concluída na primeira
quinzena de setembro, envolveu visitas aos portos de Paranaguá (PR), Santos
(SP) e Vitória (ES), além de uma missão até o porto de Lisboa, em Portugal,
para avaliar a capacidade do Brasil de prevenir e reprimir o tráfico
internacional de drogas em seus principais portos.
As fragilidades
institucionais apontadas destacam a relação entre Receita e PF, a qual, segundo
o TCU, se dá sem protocolos claros, o que prejudicaria as investigações.
“Essas falhas
prejudicam a preservação do local do crime, ocasionam a quebra da cadeia de
custódia [de eventuais provas] e, como consequência, perpetuam atuação centrada
exclusivamente na apreensão de drogas, o que não traz resultados eficazes e
permite que as organizações criminosas continuem em plena atividade”, afirma o
documento.
Na prática, segundo
os auditores, significa que, muitas vezes, a droga é apreendida, mas os
responsáveis pelo esquema, especialmente os financiadores, não são
identificados nem punidos.
Outro ponto crítico
apontado pelos auditores do TCU é a deficiência tecnológica. Apenas o porto de
Vitória conta com o sistema VTMIS (Vessel Traffic Management Information
System), capaz de monitorar embarcações suspeitas. Em portos como Santos e
Paranaguá, que movimentam juntos mais de 50 mil contêineres por mês, não existe
essa capacidade.
O VTMIS é um sistema
integrado de gestão e monitoramento do tráfego de embarcações, usado em grandes
portos e áreas costeiras estratégicas. O recurso funciona como uma espécie de
“controle de tráfego aéreo”, mas para o mar, permitindo acompanhar em tempo
real tudo o que circula na área monitorada.
O aparato combina
diferentes tecnologias, como radar marítimo, câmeras de vigilância e sensores
meteorológicos e de maré, entre outras ferramentas. Os dados são processados em
um centro de controle, que pode detectar embarcações clandestinas, desvios de
rota, riscos de colisão ou atividades suspeitas.
O relatório afirma
que o Brasil é, hoje, um dos principais corredores do tráfico internacional de
cocaína, mesmo não sendo produtor relevante da droga. Entre 2020 e 2023, o país
apreendeu 355 toneladas, o equivalente a 4,45% de todas as apreensões mundiais.
Do total apreendido,
cerca de 40% se deram em áreas portuárias. Em termos financeiros, a cocaína
apreendida em 2023, se fosse tratada como uma commodity, ocuparia a oitava
maior exportação na pauta agrícola do país, perdendo apenas para produtos como
soja e milho.
O relatório cita
algumas situações de apreensão de cocaína que saíram de portos brasileiros,
como uma ocorrida em maio de 2024, em que 535 quilos da droga, escondidos em
latas de bebida, foram interceptados no porto de Sines, em Portugal. O
contêiner, segundo o TCU, havia saído do porto de Santos meses antes, com a
droga inserida por meio da técnica de “contaminação de mercadoria”, quando a
cocaína é misturada ao produto lícito.
Antes disso, em
2022, outras cargas oriundas do Brasil já haviam sido interceptadas na Europa,
uma delas com 1,1 tonelada no porto de Leixões e outra com 552 kg no porto de
Sines, ambos em águas portuguesas.
O relatório alerta
que, em escala nacional, circulam 140 mil contêineres mensais, todos
suscetíveis a introdução de drogas em suas cargas.
A governança da
segurança portuária também foi considerada frágil. O TCU diz que a
regulamentação atual se dá por meio de decreto autônomo, sem base em lei, o que
compromete a eficácia das medidas e cria lacunas normativas. No caso da
segurança portuária, isso significa que as atribuições e regras de
funcionamento foram definidas por decreto presidencial, e não por uma lei
aprovada pelo Legislativo.
De acordo com a
auditoria, o valor da cocaína vendida na Europa pode ser dez vezes maior do que
o preço pago na fronteira brasileira. Uma simples lata de bebida de 350 ml
recheada com a droga pode valer mais de R$ 100 mil no atacado europeu. No varejo,
o grama de cocaína chega a custar mais do que o equivalente ao peso de ouro em
alguns mercados.
Em sua conclusão, o
TCU propõe acordos de nível de serviço entre a Receita Federal e Polícia
Federal, capacitação de servidores em preservação da cadeia de custódia,
expansão de sistemas integrados nos portos e encaminhamentos ao Congresso, para
apoiar mudanças legislativas.
CRIME ORGANIZADO NOS PORTOS
– 355 toneladas de
cocaína foram apreendidas no Brasil entre 2020 e 2023
– 4,45% da cocaína
apreendida no mundo ocorre no Brasil no mesmo período
– 40% das apreensões
brasileiras de cocaína ocorreram em áreas portuárias
– 91% da cocaína
apreendida em portos europeus é encontrada em contêineres
– 51% do tráfico nos
portos ocorre com a droga escondida em carga lícita
Fonte: Auditoria do
TCU
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